sábado, 22 de fevereiro de 2014

Agatha Christie por Zeca Camargo



Zaca Camargo - Apresentador
Surpresa é, quando se fala de Agatha Christie, um elemento fundamental. Quando você avança para seu terceiro ou quarto livro – nunca conheci alguém que tenha lido apenas um -, já está praticamente acostumado com a ideia de que vai ser surpreendido pela engenhosidade do criminoso revelado nas páginas finais. Motivos, álibis, armas – isso toda história policial tem. Mas as de Agatha Christie ainda tem algo mais: esse elemento surpresa que, quando finalmente é apresentado, você tem vontade de largar o livro e dizer: “não é possível!”.

Foi assim desde o primeiro que eu li. Me lembro de estar na sexta série quando a professora me pegou lendo o livro na aula, bem como a lembrança do susto e da bronca que eu levei neste dia, eu tinha 11 anos. O livro era “O misterioso caso de Styles”


A bronca da professora não é, porém, a única lembrança. Me lembro também do prazer de desvendar (por tabela) aquele crime, da impecável atmosfera inglesa que todos os capítulos evocavam (mesmo quando o protagonista era um certo detetivezinho inegavelmente belga!), da minha incapacidade de parar de ler – e sobretudo do frisson de pensar que eu estava lendo um “livro de adulto”… Sim, porque Agatha Christie, entre tantos méritos, ainda é a responsável por iniciar milhões de crianças e pré-adolescentes no mundo que, se não é exatamente o da literatura, pelo menos é um que certamente não se encaixa muito bem na definição de “livro infanto-juvenil”.

Com raras exceções, todos os personagens criados pela autora são adultos, circulam no mundo dos adultos, falam como adultos – e, claro, cometem crimes de adultos. Ao mesmo tempo, o magnetismo de sua narrativa não é dirigido exclusivamente aos adultos. Basta gostar de acompanhar uma história bem contada – e pronto! Quando você vê, já está no capítulo 17…

Livro - Capa
“Styles”, mesmo com toda essa carga de lembranças que evoca, não é meu livro favorito da autora. A surpresa no seu final é boa, mas aos poucos fui conhecendo outras ainda mais geniais que ela tinha elaborado. Vinha de qualquer aspecto da história: o motivo do crime (um noivado rompido na adolescência); o álibi do assassino (pensou em “O caso dos dez negrinhos”?); a banalidade de algumas mortes (“Tragédia em três atos”, talvez?); as maneiras de despistar a investigação (“Morte na praia” é exemplar nisso); a escolha do cenário para um homicídio (“Assassinato no campo de golfe”, “Um corpo na biblioteca” – entre tantos); na simples expectativa de um crime (“Convite para um homicídio”, lembra?); a maneira de encaixar a narrativa numa referência já conhecida (“Os doze trabalhos de Hércules” ou “Os cinco porquinhos”); ou mesmo o conjunto da obra (nem preciso comentar a monumentalidade de “Assassinato no expresso do oriente”, preciso?).

Já tendo passado por todos os títulos acima, eu já era um leitor acostumado a esse tratamento – a tramas que não apenas estimulam seu poder de dedução, mas também respeitam sua inteligência. Quando então me deparei com esse meu título favorito... Então lá vai: o melhor livro da autora, na minha opinião, é “O assassinato de Roger Ackroyd”.


Quem já o leu, sabe que agora estou diante de um problema: não posso comentar nada do livro, senão vai estragar essa que é das maiores surpresas que a autora já preparou. Não se trata de um simples “spoiler”, tipo: Hercule Poirot se associa ao doutor Sheepard para desvendar um mistério. Dizer porque eu gosto tanto de “Roger Ackroyd” seria não um mero estraga-prazeres, mas um insulto à própria memória de AgathaChristie. É um dos seus primeiros livros – é de 1926, enquanto que seu romance de estreia, que foi também minha iniciação no mundo “agathachristiniano”, “O misterioso caso de Styles”, é de 1920. Mesmo assim, acho que nada que ela escreveu depois – apesar de a lista conter alguns clássicos da autora – é tão eficiente no quesito surpresa.




Porém, ninguém lê Agatha Christie simplesmente em função da surpresa. Seu talento em nos cativar vai além disso, ou você acha que Gilberto Braga empresta de quem quando, ao escrever as cenas da morte da Taís, em “Paraíso tropical”, coloca um motivo para assassiná-la na boca de cada personagem principal da novela?

Mesmo em seus romances policiais mais fracos (e por mais fraco quero dizer aqueles que têm soluções fáceis demais, ou que não se aprofunda demais nos personagens – porque, oficialmente, para um fã como eu não existe nada realmente fraco que ela tenha escrito), a isca é colocada logo de início, e é quase impossível que um leitor abandone a história depois de tê-la mordido. A fórmula não foi inventada por ela – mas ninguém a aproximou tanto da perfeição como Agatha Christie. Ao reler um de seus trabalhos, tive a prova final disso.

Escolhi “É fácil matar” quase que por acaso. Entrei numa boa livraria, no Rio, e fui ver o que eles tinham da autora na prateleira. Muito pouco, para a minha decepção – “Roger Ackroyd”, por exemplo, está em falta. Com a escolha reduzida, fiquei entre dois dos títulos cuja história eu me lembrava muito pouco: “Por que não perguntaram a Evans?” e “É fácil matar”. Mesmo lendo a sinopse na contracapa da cada dos dois, tinha a impressão de nunca tê-los lido – o que era impossível, já que passei por 66 títulos da coleção na minha adolescência (meu pai às vezes se esquecia e me trazia um repetido, da elegante edição dos anos 70 da Nova Fronteira, que eu discretamente ia trocar no dia seguinte na livraria Mestre Jou, na rua Augusta… só uma pequena reminiscência, se me permite). De “Evans”, porém, eu me lembrava da cena do assassinato (que dá o nome à obra), e assim fiquei com o outro título.

A frase, tão simples e tão boa, é de uma certa Miss Fullerton – que morre logo depois de dizê-la a um ex-policial aposentado durante uma viagem de trem a Londres. Sem o brilho de Poirot nem a intuição fantástica de Miss Marple, “É fácil matar” é construído sobre um motivo mais que sórdido para uma série de crimes – que, como sempre, só é revelado no final. Durante toda a leitura, não havia jeito de eu me lembrar o que estava por trás daquelas mortes aparentemente acidentais – e, talvez por isso, foi tão bom ter escolhido este livro para reler e me preparar para este texto.

Apesar de ser um romance menor da autora, “É fácil matar” me fez passar por todos aqueles estágios que se experimenta com um livro de Agatha Christie: apresentação do crime, descrição dos suspeitos, construção dos possíveis motivos, checada nos álibis, culpado mais provável… tudo no caminho para que você chegue à conclusão antes de quem está investigando tudo no livro. Só que a conclusão que você chega é, invariavelmente errada. No caso desse livro, descobri o que motivava os crimes com certa antecedência – mas chutei feio quanto ao culpado, e errei. Só não fiquei decepcionado porque esse é o jogo mais delicioso de se entregar: brincar de quem é mais esperto com ninguém menos do que aquela que o livro “Guinness” dos recordes diz que é a autora que mais vendeu livros em todos os tempos.

Entusiasmado com esse recomeço, peguei, também ao acaso numa prateleira esquecida na minha casa, “Nêmesis”. Também me lembrava pouco desse ótimo enredo (um conhecido de Miss Marple, propõe, depois da sua morte, que a “velhinha bisbilhoteira” desfaça uma injustiça do passado), comecei a relê-lo displicentemente e, pronto! Estou novamente “viciado” em Agatha Christie… Isso quando a pilha de livros de outros autores que eu tenho vontade de ler só aumenta…


Autores “da moda”, clássicos brasileiros, literatura contemporânea, outras histórias tristes que eu gosto tanto – tudo isso pode esperar, pois agora eu tenho uns crimes para resolver…

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O Velho e o Novo Poirot... será que vai dar certo?

Por muitas vezes você pode ter se perguntado:
Como nasceu Poirot?

Bebê Poirot
Nos primeiros anos da década de 1910, uma jovem enfermeira inglesa encontrou um ônibus com refugiados belgas. Uma figura em especial chamou sua atenção: um homenzinho com a cabeça em formato de ovo e um bigodinho. Ficou fascinada por ele sem saber que, um dia, o mesmo aconteceria com gerações de leitores. A moça chamava-se Agatha Christie (1890-1976), e naquele dia ela encontrava a inspiração para criar um de seus mais famosos detetives, Hercule Poirot.

Em parte por conta de um desafio lançado pela irmã, Agatha começou a escrever O Misterioso Caso de Styles, romance de estreia de ambos. Outros detetives surgiriam – Miss Marple, Tommy e Tuppence – mas nenhum seria tão fortemente associado à Dama do Crime. Ex-policial, o detetive particular belga tem como características o peculiar bigode e o uso consistente das “pequenas células cinzentas”. É um homem baixinho, o que compensa com um grande ego. Sua aparência quase excêntrica é reforçada a todo momento, assim como o incômodo que sente ao ser confundido com um francês.
A relação dos dois se estendeu por 33 romances, uma peça e mais de 50 contos. Em língua inglesa, Agatha só perde em número de vendas para Shakespeare e, nos próximos meses, a L&PM relançará 30 de seus títulos, incluindo um que ela escreveu sob o pseudônimo Mary Westmacott.

A morte de Poirot (planejada pela autora desde os anos 1940), só aconteceria em 1975, em Cai o Pano. Tão grande foi a comoção, que o personagem ficcional ganhou um obituário no New York Times.

Quase 40 anos depois, Poirot protagonizará um novo romance, desta vez escrito pela também britânica Sophie Hannah. A poeta é autora de seis novelas policiais psicológicas publicadas em 27 países (três das quais sairão no País pela Rocco). Nesta semana, a autora entregou sua novela, prevista para setembro lá fora, e deu detalhes sobre como tomou para si o universo da Rainhado Crime – um projeto que tem apoio da família de Agatha.

“Nos meus livros, como nos de Christie, a trama é um componente importante, e as perguntas, os interrogatórios, estão ali, mas não pretendo introduzir uma maior profundidade psicológica aos protagonistas”, afirmou a escritora à agência de notícias EFE. Aos 13 anos, foi um livro da Dama que a inspirou a dedicar-se ao gênero.

Hannah diz que fez o possível para manter intacta a essência das obras, e que o novo livro se passará em 1929, escolha que se justifica porque, entre 1928 e 1932, Agatha não criou nenhuma história para o belga.

É preciso cautela para julgar uma obra que nem sequer foi lançada, mas uma decisão pode ser especialmente polêmica: neste livro, não encontraremos o capitão Hastings, melhor amigo e contraponto ficcional à personalidade de Poirot. No lugar, estará um novato da Scotland Yard. A escritora garante que ele conhece bem o detetive particular, o que lhe permitiu “dar um enfoque orgânico”. É verdade que o assistente não está em todas as histórias de Agatha (aparece especialmente nos contos e em menos de uma dezena de romances), mas adaptações dos textos o tornaram famoso. Numa comparação simplista, seria como ter Sherlock sem o dr. Watson.

Mesmo sem revelar detalhes da trama, Hannah disse que criou um caso diferente daqueles que Poirot está habituado a resolver. Assim, espera mostrar novos aspectos de sua personalidade “compatíveis com os escritos por Agatha”. Ela admite que tomar para si um personagem tão bem definido tem seu peso, mas diz que a pressão não é diferente da que sente quando escreve suas próprias obras.

 

Um mistério a ser desvendado é se a autora continuará escrevendo para Poirot no futuro. “Não depende de mim o número de romances que farei, e não sei se a família e os leitores vão querer que eu continue.”




Fonte: www.estadao.com.br/noticias/arte-e-lazer,sophie-hannah-da-detalhes-sobre-recriacao-de-obra-de-agatha-christie,1127929,0.htm